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Diferencial da Miastenia

 

John W. Engstrom - Seminars in Neurology 2004

Tradução e Adaptação: Dr. Diogo Fraxino de Almeida

► O diagnóstico de Miastenia Gravis é gratificante tanto para médicos como para pacientes devido à gravidade da doença e efetividade do tratamento.

► Algumas doenças neurológicas e outras não-neurológicas podem mimetizar Miastenia Gravis (MG) clinicamente. Portanto, os médicos devem ficar atentos para evitar enganos diagnósticos e eventuais danos aos pacientes.

► Abaixo listamos algumas das mais freqüentes doenças confundidas clinicamente com MG:

  • Ptose Palpebral Congênita.
  • Miopatias (mitocondriais, metabólicas, endócrinas, inflamatórias, etc)
  • Distrofias Musculares (fascioescapulohumeral, oculofaríngea, miotônica)
  • Oftalmoparesia Externa Progressiva Crônica
  • Síndrome de Kearns Sayre
  • Botulismo
  • Síndromes Miastênicas Congênitas
  • Paralisia de Nervos Cranianos (III, IV e VI)
  • Meningites de Base de Crânio (tuberculose, carcinomatose meníngea)
  • Afecções do Seio Cavernoso (trombose, aneurisma, fístula carótido-cavernosa, tumores)
  • Afecções da Fissura Orbital Superior (tumores, infecções, inflamações)
  • Variante de Miller Fisher da Síndrome de Guillain-Barré)
  • Síndrome de Horner
  • Doença de Graves
  • Pseudotumor de Órbita
  • Trauma Orbital
  • Lesões de Tronco Cerebral
  • Hipertensão Intracraniana (com lesão de nervo abducente bilateral)
  • Síndrome de Lambert-Eaton
  • Botulismo
  • Fadiga Subjetiva
  • Fibromialgia
  • Síndrome da Fadiga Crônica
  • Falso-Positivo de Exames Complementares

► Os mimetizantes de miastenia raramente causam fraqueza objetiva flutuante, característica marcante da MG. Por outro lado, a MG raramente causa fraqueza constante ou progressiva.

► A caracterização da flutuação deve ser minuciosa, pois alguns pacientes consideram flutuante algumas condições que, de fato, não o são. O principal exemplo é a diplopia ocasional que ocorre com a mirada em determinado lado (por paralisia de um par craniano).Como ela somente aparece em determinada mirada, o paciente pode a considerar flutuante.

► O contexto clínico e os exames complementares geralmente são suficientes para a distinção de miastenia com as condições mimetizantes.

► Algumas distrofias musculares podem simular MG devido à ptose palpebral, oftalmoparesia, envolvimento bulbar e fraqueza proximal.

► Disfagia e ptose são sintomas comuns na distrofia oculofaríngea. Essa doença geralmente ocorre após a quarta década de vida. Os movimentos oculares algumas vezes são comprometidos, porém os movimentos faciais são poupados. Fraqueza proximal dos membros pode estar presente. O que chama atenção na história é o padrão autossômico dominante de herança, com penetrância completa. O diagnóstico é feito por estudo genético através do aumento de repetições do triplete GCG no gene PABP2.

► A distrofia fascioescapulohumeral apresenta-se com fraqueza facial importante (dificuldade para assoprar, assobiar, sorrir e fechar os olhos). Além disso, sintomas bulbares como disartria e disfagia também são proeminentes. Entretanto, os movimentos extra-oculares são preservados e a fraqueza não é flutuante. A herança é autossômica dominante, mas a penetrância é variável. Uma característica da doença é a fraqueza proximal dos membros superiores com preservação dos deltóides (fenômeno do Popeye). Há alta incidência de perda auditiva. O diagnóstico é feito com exames genéticos através da diminuição do número de repetições D4Z4 no gene afetado.

Distrofia miotônica pode se apresentar com ptose palpebral, oftalmoparesia, fraqueza facial, disfonia, disfagia, fraqueza proximal e distal de membros. O que chama atenção para o diagnóstico correto é a presença de miotonia à percussão de músculos da mão ou língua. Outras características dos pacientes com distrofia miotônica são catarata, calvície frontal, distúrbios de condução cardíaca, polineuropatia distal leve, diabetes, atrofia testicular e hiperparatireoidismo. O diagnóstico é sugerido pela presença de potenciais miotônicos na EMG de agulha e confirmado pelo estudo genético (aumento do número de repetições do triplete CTG no gene da miotonina proteína-quinase.

► As miopatias mitocondriais (oftalmoplegia externa progressiva, síndrome de Kearns-Sayre e encefalopatia mioneurogastrointestinal) também podem simular MG.

► A oftalmoplegia externa progressiva crônica caracteriza-se por oftalmoplegia progressiva e simétrica. Ao contrário da MG, ela não é flutuante. Também pode apresentar ptose e fraqueza muscular proximal. Alguns pacientes apresentam catarata. A EMG de agulha mostra padrão miopático e a biópsia muscular revela a presença de fibras vermelhas rasgadas e morfologia mitocondrial anormal na microscopia eletrônica.

► A síndrome de Kearns Sayre geralmente se apresenta em fase mais precoce da vida que a MG, entre a segunda e terceira décadas de vida, com oftalmoparesia progressiva, retinopatia pigmentar e defeitos da condução cardíaca. Também pode ocorrer perda auditiva, baixa estatura, anomalias endócrinas, ataxia da marcha e polineuropatia. Uma deleção única do DNA mitocondrial ocorre na maioria dos pacientes. A biópsia muscular mostra fibras vermelhas rasgadas.

A encefalopatia mioneurogastrointestinal ocorre antes dos vinte anos com fraqueza proximal, oftalmoparesia, leucoencefalopatia progressiva, degeneração da retina, perda auditiva e sintomas gastrointestinais como pseudo-obstrução intestinal e diarréia. Acidose lática pode ser detectada. A biópsia muscular mostra fibras vermelhas rasgadas.

► O botulismo apresenta-se com oftalmoparesia, disfagia, disartria, e fraqueza proximal dos membros. Na forma alimentar, náuseas e vômitos precedem a fraqueza. A progressão da fraqueza é rápida (poucas horas a dias) e insuficiência respiratória pode ocorrer. Os principais dados que ajudam a distinguir crise mistênica de botulismo são a presença nesse último de pupilas dilatadas e pouco reagentes, perda dos reflexos e sintomas autonômicos proeminentes (boca seca, constipação e retenção urinária). A história de ingestão de alimentos enlatados e feridas cutâneas também sugerem botulismo. O estudo da estimulação nervosa repetitiva também é importante para diferenciação. No botulismo, ao contrário da MG, as amplitudes dos PAMC são baixas, ocorre resposta incremental com estimulação tetânica (50 Hz) e facilitação persistente pós-exercício.

► As síndromes miastênicas congênitas são doenças hereditárias que ocorrem na infância. Os recém nascidos acometidos apresentam-se com dificuldades de sucção, choro fraco e retardo no desenvolvimento psicomotor. Fraqueza proximal, bulbar e ocular estão presentes. O diagnóstico definitivo é complexo e realizado apenas em centros especializados.

Paralisias dos nervos cranianos III, IV e VI podem simular MG. Quando a oftalmoplegia for dolorosa, o diagnóstico de MG é improvável. Nessas condições deve-se pesquisar algum processo tumoral, vascular ou infeccioso da órbita ou do seio cavernoso. Além disso, diabetes deve ser considerado, sendo a principal causa de oftalmoparesia dolorosa. A característica da oftalmoparesia diabética é a preservação da pupila quando o III par é acometido. Os exames mais recomendados para investigar a causa de paralisias dos nervos cranianos são a ressonância magnética e a angiografia por RM. Além disso, um líquor deve ser feito para descartar meningite de base do crânio,  carcinomatose meníngea e variante de Miller Fisher da síndrome de Guillain Barré. Vale notar que essa última se apresenta com oftalmoparesia, ataxia da marcha e arreflexia, sendo os dois últimos ausentes na MG.

Ptose palpebral congênita e várias formas adquiridas de ptose devem ser consideradas. A ptose senil provavelmente ocorre por desinserção do músculo elevador da pálpebra por diversas causas como retirada de lentes de contato e cirurgias oftalmológicas. A síndrome de Horner ocorre com ptose, miose e anidrose, embora possa se apresentar isoladamente com ptose. Ela ocorre por lesão no trajeto da via simpática.

► Algumas doenças da órbita como a oftalmoparesia de Graves e pseudotumor orbital apresentam sinais adicionais que facilitam a distinção de MG. A exoftalmia é característica da doença de Graves e a presença de proptose, dor e vermelhidão sugerem pseudotumor ou lesão intra-orbital e de seio cavernoso.

Lesões de tronco cerebral envolvendo os núcleos dos pares cranianos III, IV, VI, IX, X, XI e XII, além de síndrome de Horner por lesão da via simpática descendente no tronco podem simular MG. Entretanto, esses pacientes apresentam outros sinais de lesão de tronco como alterações do nível de consciência, tetraplegia, ataxia da marcha e distúrbios sensoriais. Exames de imagem como RM geralmente identificam a causa da lesão.

► Quadros de hipertensão intracraniana de qualquer etiologia podem provocar paralisia bilateral de nervo abducente (VI par). Isso provoca alteração do olhar lateral e pode simular MG. Estudos de imagem, fundoscopia para pesquisa de edema de papila e líquor com medida da pressão de abertura podem confirmar o diagnóstico.

► Algumas doenças que mimetizam MG podem preservar os movimentos oculares. A paralisia bulbar progressiva, uma variante da Esclerose Lateral Amiotrófica (doença do neurônio motor) ocorre com disfagia e disartria progressivas. Em fases avançadas, fraqueza e atrofia dos músculos dos membros pode ocorrer. Não há oscilação dos sintomas. O teste do Tensilon® pode ser positivo. Estudo de estimulação nervosa repetitiva pode mostrar resposta decremental, como na MG. Características que ajudam a diferenciação a favor de doença do neurônio motor são a progressividade dos sintomas, a ocorrência de sinais de neurônio motor superior e a presença de desnervação na EMG de agulha.

► A síndrome miastênica de Lambert-Eaton é uma doença da porção pré-sináptica da junção neuromuscular em que anticorpos se formam contra os canais de cálcio voltagem-dependentes resultando em diminuição da liberação de acetilcolina e defeito da transmissão neuromuscular. Ao contrário da MG, ptose palpebral é rara e os movimentos extraoculares são preservados. Insuficiência respiratória é rara.  Entretanto, sintomas bulbares como disfagia e disartria ocorrem com freqüência, assim como fraqueza proximal dos membros. Uma característica dessa doença é a presença de sintomas autonômicos, presentes em 80% dos pacientes e a ausência de reflexos tendinosos profundos (arreflexia). Metade dos casos estão relacionados com neoplasia subjacente, como carcinoma de pequenas células do pulmão. Nesses pacientes pode ser detectado anticorpos anti-Hu. Alguns casos são auto-imunes. O estudo da estimulação nervosa repetitiva mostra grande resposta incremental após o exercício ou estimulação tetânica (50 Hz). Os anticorpos contra os canais de cálcio também podem ser dosados.

► Os estudos de estimulação nervosa repetitiva, o teste do Tensilon® e a dosagem dos anticorpos contra os receptores de acetilcolina são exames complementares úteis na confirmação diagnóstica da MG. Entretanto, todos eles possuem limitações e a interpretação dos resultados deve sempre ser correlacionada com a clínica.

► Resultados falso-positivos da estimulação nervosa repetitiva podem ocorrer por fatores técnicos ou em outras doenças neurológicas. Artefatos de movimento durante a estimulação repetitiva podem causar resposta decremental, particularmente nos músculos faciais e no trapézio. Por isso, o teste deve ser realizado com a máxima cooperação do paciente e os resultados devem ser checados mais de uma vez para garantir sua confiança. Resposta decremental semelhante à vista em MG também pode ser vista em algumas miopatias, outras doenças da junção neuromuscular e na doença do neurônio motor (ELA). Por outro lado, algumas vezes o resultado pode ser falso-negativo, principalmente em pacientes com miastenia gravis ocular isolada.

► O teste do Tensilon® consiste na administração de edrofônio, um anticolinesterásico de ação rápida. Os pacientes com MG geralmente apresentam importante melhora da força muscular após sua administração, com duração de alguns minutos e retorno à linha de base. O teste é positivo em 90% dos pacientes com MG generalizada, mas também pode ser positivo em outras doenças, como paralisias dos nervos cranianos e outras doenças da junção neuromuscular. Há relatos de falso positivo em pacientes com doença do neurônio motor. Também pode ocorrer falso negativo, principalmente nas formas oculares.

► Os anticorpos contra os receptores da acetilcolina são sensíveis e específicos para MG e são positivos em até 90% dos pacientes com MG generalizada. Esse número cai para 50% nos pacientes com a forma ocular. Todos os pacientes com timoma apresentam elevação dos anticorpos. Muito raramente os anticorpos podem ser detectados em pacientes com cirrose biliar primária, lupus eritematoso sistêmico, esclerose lateral amiotrófica, administração de penicilamina, história de transplante de medula óssea e pacientes com timoma sem MG. Eventualmente, todos esses pacientes podem desenvolver MG posteriormente.

► A síndrome da fadiga crônica pode ser confundida com MG devido à presença de fadiga intensa. Nessa doença, a fadiga deve estar presente por pelo menos 6 meses e deve estar associada com pelo menos 4 dos 8 sintomas seguintes: cefaléia, insônia, dificuldade de concentração e memória, dor de garganta, artralgia, dor no pescoço, cansaço excessivo pós- exercício e mialgia. Outra doença semelhante que deve ser considerada no diagnóstico diferencial é a fibromialgia. Nenhum sintoma ocular ou bulbar está presente nessas doenças. Os estudos de condução nervosa e a EMG de agulha são normais. O teste do tensilon é negativo e os anticorpos contra os receptores de acetilcolina são ausentes.

 

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