Intoxicação por Organofosforados
Daniel Rusniak and Kristine A. Nanagas - Seminars in Neurology 2004
Tradução e Adaptação: Dr. Diogo Fraxino de Almeida
► Em 1936, pesquisas do químico alemão Gerhald Schrader chegaram ao desenvolvimento de compostos organofosforados com propriedades inseticidas. Um dos compostos desenvolvidos por ele, o parathion, viria mais tarde a ser o inseticida agrícola mais utilizado no mundo. Os trabalhos de Schrader levaram ao desenvolvimento de compostos mais potentes, conhecidos atualmente como agentes nervosos, utilizados como armas com objetivos genocídas.
► Como os compostos organofosforados foram primeiramente utilizados para fins militares, os organoclorados, tornaram-se, a princípio, os principais inseticidas utilizados na agricultura. Em 1939, Paul Miller sintetizou o DDT (diclorodifeniltricloroetano), recebendo por isso o premio Nobel. Ele foi extensivamente utilizado no início da década de 40 como pesticida. Apesar de pouca toxicidade humana, os organoclorados foram banidos na maioria dos países do mundo devido ao desequilíbrio ambiental que provocavam. Com a diminuição do uso dos organoclorados, os organofosforados e seus compostos relacionados – os carbamatos – começaram a ser utilizados como inseticidas ao redor do mundo. Apesar de provocarem pouco impacto ambiental, eles são altamente tóxicos para seres humanos.
► Os organofosforados inibem a enzima colinesterase, responsável pela quebra das moléculas de acetilcolina na fenda sináptica, pela ligação dos radicais fosfatos a essa enzima. Isso gera superestimulação colinérgica, causando efeitos tóxicos para o sistema nervoso autônomo, sistema nervoso central e junção neuromuscular. Eles são bem absorvidos pela pele, trato respiratório e digestivo.
► Os principais efeitos agudos da intoxicação por organofosforados são:
- Sistema Nervoso Autônomo = miose, lacrimejamento, salivação, excesso de secreção brônquica, broncoespasmo, bradicardia, vômitos, diarréia, incontinência urinária e diaforese.
- Sistema Nervoso Central = convulsões, agitação, sonolência, coma.
- Junção Neuromuscular = tetraparesia, fasciculações.
► Antes de iniciar a tratar a intoxicação, os pacientes precisam ser descontaminados. Após exposição dérmica, as roupas devem ser retiradas e a pele deve ser lavada com muito sabão e água. Após ingestão, se houve vômito, as roupas deveriam ser retiradas. Lavagem gástrica também deve ser realizada. A equipe de atendimento deve usar máscaras, luvas e óculos para evitar contaminação.
► A atividade parassimpática muscarínica aumentada devido à intoxicação colinérgica causa aumento das secreções glandulares (salivação, lacrimação, vômitos, incontinência urinária e diarréia). Aumento das secreções brônquicas, broncoespasmo e bradicardia são potencialmente fatais. Miose ocorre em mais de 2I3 dos casos. A prioridade no tratamento dos sintomas parassimpáticos é a diminuição das secreções pulmonares que podem causar edema pulmonar fatal. Isso é obtido com o uso do agente antimuscarínico atropina. As doses intravenosas de atropina são iniciadas em 3 a 5 mg para adultos e 0.05 mgIKg para crianças e devem ser repetidas a cada 3 a 5 minutos até o desaparecimento das secreções pulmonares. Taquicardia não é uma contra-indicação para o uso da atropina. Doses superiores a 1000 mg em 24 horas podem ser necessárias. Alternativamente à administração intermitente, pode-se usar infusão contínua de atropina na dose de 0.02 a 0.08 mgIKgIh após bolo inicial.
►Embora os efeitos parassimpáticos dos organofosforados sejam facilmente reconhecíveis, em intoxicação leves manifestações adrenérgicas decorrentes de estimulação do sistema nervoso simpático podem prevalecer. Isso ocorre provavelmente pela estimulação excessiva dos receptores nicotínicos pré-ganglionares nas fibras nervosas e glândula adrenal. Portanto, midríase e taquicardia podem ocorrer em vez das clássicas miose e bradicardia.
► O excesso de estimulação nicotínica na junção neuromuscular é responsável pelas fasciculações e pelo bloqueio neuromuscular causando fraqueza. A paralisia pode afetar os músculos respiratórios necessitando ventilação mecânica. Insuficiência respiratória é a principal causa de morte na fase aguda da intoxicação. Em modelos animais, altas doses de organofosforados também podem causar depressão do centro respiratório bulbar. O relaxante muscular succinilcolina deve ser evitado em pacientes intoxicados com organofosforados devido ao seu metabolismo ser feito pelas colinesterases, enzimas que estão bloqueadas pelos organofosforados.
► A atropina não é efetiva contra os efeitos nicotínicos dos organofosforados, principalmente a fraqueza muscular. Para esse fim, recomenda-se o uso de pralidoxima. Ela age removendo o grupo fosforil da enzima colinesterase inibida, provocando a reativação da enzima. A dose utilizada é 30 mgIKg em bolo seguido de infusão de 8mgIKgIh ou mais em intoxicações mais severas. O tratamento deveria continuar até que a fraqueza e as fasciculações acabem. Se os sintomas retornarem após interrupção da droga, novo bolo seguido de infusão contínua deve ser feito.
► As convulsões induzidas por organoclorados devem ser tratadas com atropina e benzodiazepínicos.
► O diagnóstico da intoxicação aguda por organofosforados é essencialmente clínico. Dosagem da colinesterase eritrocitária e da pseudocolinesterase servem apenas como marcadores de que realmente houve a intoxicação, entretanto não há utilidade prática para o diagnóstico, pois os resultados são demorados.
► Após a melhora dos efeitos agudos da intoxicação e antes do surgimento das neuropatias periféricas, uma síndrome semelhante à miastenia pode ocorrer em alguns pacientes. Essa condição é conhecida como síndrome intermediária. Ela se caracteriza por fraqueza proximal e insuficiência respiratória após a melhora da fase aguda. Ela pode ser distinguida da polineuropatia tardia induzida por organofosforados, pois essa causa fraqueza distal e preserva os músculos respiratórios. A ausência de outros sintomas muscarínicos e a falta de resposta à atropina a diferencia da crise colinérgica presente na fase aguda da intoxicação. A síndrome intermediária ocorre em até 60% dos pacientes. Ela geralmente ocorre após 2 ou 3 dias da intoxicação aguda e melhora após 5 a 15 dias. O tratamento é apenas suportivo.
► A polineuropatia tardia induzida por organofosforados ocorre pela fosforilação da proteína neuropatia alvo-esterase, presente no tecido nervoso. Os sintomas iniciam 1 a 4 semanas após a exposição. Ela não ocorre em todos os pacientes com crise colinérgica aguda, assim como pode ocorrer sem a previa ocorrência clínica de intoxicação aguda. Inicia com câimbras nas pernas, fraqueza rapidamente progressiva com paralisia dos membros inferiores. Os casos severos acometem os membros superiores também. Atrofia muscular, arreflexia e perda ocasional do controle dos esfíncteres pode ocorrer. Sintomas sensoriais são mínimos. Com os passar do tempo, a flacidez é substituída por espasticidade. Portanto, além de envolvimento axonal dos nervos periféricos, também ocorre envolvimento medular. A recuperação é variável.
► Sintomas neuropsiquiátricos como déficit cognitivo, depressão e ansiedade tem sido relatados em muitos pacientes expostos à organofosforados. O mecanismo fisiopatológico exato não é conhecido.
► Alguns sintomas extrapiramidais, principalmente parkinsonismo, tem sido relatados em pacientes expostos aos organofosforados. A maioria dos casos está relacionada com ingestão suicida de grandes quantidades. Os sintomas ocorrem na fase aguda e melhoram com o tempo.
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