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Dor Neuropática

 

               As 10 Questões mais Comuns

GILL, S.J.; OAKLANDER, A.L. ( The Neurologist 2001; 7: 263-269).

    • O que é dor neuropática?

    ► Dor neuropática é uma das duas principais condições dolorosas crônicas. Na dor neuropática geralmente não há nenhum dano tecidual. O que ocorre é uma disfunção das vias que transmitem dor, levando a uma transmissão crônica dos sinais dolorosos.

    ► A injuria neural que produz dor neuropática pode ser óbvia ou oculta. Ela pode ocorrer em qualquer nível das vias nociceptivas periféricas ou centrais.

    ► As injúrias periféricas sem dúvidas causam alterações moleculares e anatômicas nas vias sensoriais centrais da medula, tronco, tálamo e córtex. Dor do membro fantasma que pode ocorrer após uma amputação é um exemplo.

    • Quando a dor neuropática ocorre clinicamente?

    ► Injúrias aos nervos sensoriais periféricos são provavelmente a causa mais comum. Quando os pacientes necessitam tratamento medicamentoso por tempo prolongado após traumatismos, dor neuropática deve ser considerada.

    ► Em pacientes idosos, radiculopatia secundária a doença degenerativa da coluna vertebral é a causa mais comum de dor neuropática seguida de lesões iatrogênicas durante procedimentos cirúrgicos por outras causas.

    ► Enquanto a dor ciática é facilmente identificada, radiculopatias em outras localizações pode produzir dor nos genitais, abdome, tórax, pescoço e podem ser confundidas com outras causas de dor.

    ► Outra causa de dor neuropática em idosos é o herpes zoster, que tem o risco aumentado proporcionalmente à idade do surgimento das lesões.

    ► As polineuropatias produzem o típico padrão de dor em luva e bota. Inicialmente os pacientes se queixam de dor em queimação nos pés. Esta dor surge por comprometimento das pequenas fibras nervosas com pouco ou nenhuma mielina. Diabetes e HIV são uma das principais causas deste tipo de neuropatia. Entretanto, várias outras causas podem ser enumeradas e um grande número de pacientes não apresenta nenhuma doença detectável (forma idiopática).

    ► Dor neuropática central tem sido descrita em várias lesões do sistema nervoso central, incluindo lesões vasculares, traumáticas, desmielinizantes, degenerativas, infecciosas e neoplásicas. Embora as descrições iniciais tenham focado os infartos talâmicos como principal causador de dor neuropática central, qualquer lesão nas vias espinotalâmicas que carregam os impulsos dolorosos pode causar dor neuropática central.

    ► Lesões limitadas ao sistema cordão posterior-lemnisco medial não causam dor neuropática. As principais localizações de lesão que produzem dor neuropática central são a medula espinhal (cordão lateral), bulbo e núcleo ventral posterior do tálamo.

    ► Na siringomielia, onde há lesão das vias espinotalâmicas que transmitem dor e cruzam a linha média pela comissura branca anterior da medula, a dor é desproporcional à disfunção motora.

    ► A esclerose múltipla pode produzir neuralgia trigeminal se houver desmielinização do gânglio de Gasser.

     O que é distrofia simpático-reflexa, síndrome da dor regional complexa e dor simpaticamente mediada?

    ► A distrofia simpático-reflexa (atrofia de Sudek, algodistrofia) se refere a uma síndrome dolorosa que ocorre principalmente após trauma periférico que pode ser acompanhada por sintomas autonômicos e alterações do crescimento e aparência da pele e das unhas.

    ► O termo causalgia era utilizado quando uma injuria nervosa importante desencadeava os sintomas. A dor pode irradiar-se para áreas distantes da região lesada, algumas vezes envolvendo o membro contralateral (dor em espelho).

    ► Em 1993, a Associação Internacional para o Estudo da Dor mudou o nome desta condição para síndrome da dor regional complexa tipo I. O termo síndrome da dor regional complexa tipo II é utilizado quando há uma injuria nervosa importante desencadeando os sintomas (substitui causalgia).

    ► Esta nova terminologia surgiu quando se tornou claro que muitos pacientes não tinham reflexos anormais, sintomas simpáticos ou distróficos.

    ► A síndrome da dor regional complexa é a descrição de sintomas complexos que podem ser desencadeados por diversas doenças. Isto é análogo ao diagnóstico de epilepsia ou autismo. A lesão subjacente deve ser diagnosticada, pois pode alterar o tratamento e o prognóstico.

    ► Virtualmente quase todas as dores regionais complexas são do tipo II, ou seja, estão relacionadas com dano ao nervo periférico. A dor é incapacitante na maioria dos pacientes, portanto todos os pacientes deveriam ser avaliados por neurologistas e neurocirurgiões especialistas no manejo da dor.

    ► No passado, os sintomas da síndrome da dor regional complexa eram atribuídos ao sistema nervoso simpático (dor simpaticamente mantida). Os pacientes eram tratados com antagonistas alfa-adrenérgicos ou simpatectomia cirúrgica. Embora alguns pacientes claramente apresentem alguns sintomas simpáticos como alterações da vasoregulação e da sudorese, é difícil saber qual o papel destes sintomas como causadores de dor.

    ► Atualmente, simpatectomia medicamentosa ou cirúrgica é usada como tratamento de segunda linha. Fisioterapia e terapia ocupacional são críticos para prevenir contraturas e atrofias secundárias ao desuso. Tratamento da depressão reativa associada é essencial.

    • Como podemos identificar a síndrome da dor neuropática?

    ► História de injuria neural deveria levantar a possibilidade de dor neuropática. Na investigação de trauma, cirurgias deveriam ser incluídas.

    ► As características da dor também podem trazer pistas. A presença de alodínia mecânica (dor aos estímulos táteis leves) sugere dor de causa neuropática.

    ► Atenção especial deveria ser dada ao exame sensorial. Solicitar aos pacientes para desenhar na pele a região dolorosa pode demonstrar um território dermatômico particular. Também pode haver alterações da cor e da temperatura da pele.

    • Quais exames complementares podem ajudar?

    ► Não há exames definitivos para o diagnóstico das síndromes dolorosas neuropáticas.

    ► O estudo da condução nervosa e a eletromiografia de agulha são úteis para o diagnóstico de muitas injúrias do nervo periférico, mas são insensíveis para as injúrias que afetam exclusivamente as fibras de pequeno diâmetro com pouca ou nenhuma mielina.

    ► Portanto, uma eletroneuromiografia normal, mesmo que tecnicamente adequada, não descarta a possibilidade de neuropatias de pequenas fibras, comumente associadas com dor neuropática.

    ► A ressonância magnética ou a tomografia podem localizar uma lesão central causando dor neuropática. A ressonância magnética também pode ajudar no diagnóstico de radiculopatias compressivas.

    ► Testes sensoriais quantitativos (QSAT) realizados com equipamentos especiais podem ajudar a detectar lesão das pequenas fibras responsáveis pela sensibilidade térmica e dolorosa e as fibras autonômicas.

    ► Biópsia de pele pode quantificar a perda das pequenas fibras nervosas cutâneas nas neuropatias de pequenas fibras.

    ► Bloqueios transcutâneos com anestésicos locais podem ajudar a localizar uma lesão em um nervo ou raiz.

    ► Bloqueio simpático pode ajudar a localizar dor simpaticamente mantida, embora questões quanto à especificidade deste teste tenham sido levantadas anteriormente.

    • Quais são os mecanismos que provocam dor neuropática?

    ► Os mecanismos da dor neuropática são incompletamente compreendidos, mas estão em constante pesquisa em modelos humanos e animais.

    ► A dor é atribuída a hiperexcitabilidade e descargas espontâneas nos neurônios periféricos ou centrais. Embora ela esteja geralmente localizada nos neurônios periféricos, pesquisas recentes usando biópsia de pele têm destacado o fato que os neurônios nociceptivos ou seus terminais centrais e periféricos estão perdidos em muitos tipos de dor neuropática, o que tem chamado a atenção para o corno posterior ou centros superiores como importantes fontes fisiopatológicas para a dor neuropática.

    ► A melhor explicação atual para a alodínia mecânica, ou dor evocada por tato leve, envolve o brotamento de fibras táteis centrais tipo A-beta dentro das camadas nociceptivas superficiais do corno posterior da medula. Portanto, a ativação das fibras táteis resulta no disparo de neurônios nociceptivos.

    • Quais medicações são efetivas para o tratamento da dor neuropática?

    ► Na maioria das vezes não há um tratamento definitivo e o tratamento paliativo da dor é a única opção.

    ► Felizmente há várias classes de medicamentos efetivamente provados em estudos randomizados, duplos cegos e controlados com placebo. Infelizmente, nenhuma droga é universalmente efetiva, portanto, as medicações devem ser tentadas seqüencialmente até que a dor seja controlada com o mínimo de efeitos colaterais.

    ► Combinação de medicamentos é freqüentemente necessária. Talvez a melhor classe de medicamentos para dor neuropática seja a dos antidepressivos tricíclicos. Embora a amitriptilina tenha sido a mais usada, seus efeitos colaterais tornam a desipramina e a nortriptilina mais atraentes.

    ► O efeito analgésico dos tricíclicos é independente de seu efeito antidepressivo e é geralmente obtido com doses mais baixas. Os tricíclicos têm vários mecanismos de ação, incluindo o bloqueio dos canais de sódio. O aumento da atividade noradrenérgica é importante, pois os bloqueadores seletivos da recaptacão da serotonina são ineficazes para dor neuropática.

    ► Alguns autores consideram que os tricíclicos podem mudar a evolução da doença na neuralgia pós-herpética quando administrados precocemente durante as lesões cutâneas.

    ► Vários anticonvulsivantes são efetivos para a dor neuropática, provavelmente por inibirem a hiperexcitabilidade neuronal. A carbamazepina é a droga de escolha para dores lancinantes como ocorre na neuralgia do trigêmio. Fenitoína também pode ser efetiva para o tratamento das dores neuropáticas e novos anticonvulsivantes como a gabapentina e o topiramato são promissores, com menos efeitos colaterais.

    ► Os bloqueios anestésicos locais deveriam ser reservados para procedimentos diagnósticos em vez de repeti-los indefinidamente.

    ► A mexiletina, um análogo oral da lidocaína, embora eficaz, é pobremente tolerado pelos pacientes.

    ► Os opióides têm sido apontados como efetivos em dor neuropática, embora tradicionalmente considerados como ineficazes. Apesar de serem inefetivos em alguns pacientes, isso não é verdade para a maioria.

    ► Os opióides estão ganhando popularidade no tratamento da dor crônica não neoplásica, pois eles têm mostrado que são seguros e muito menos propensos a causar dependência do que se pensava no passado. O maior avanço tem sido o desenvolvimento de opióides de ação lenta que permitem níveis plasmáticos estáveis por períodos prolongados. Também podem ser administrados pelas vias transdérmica e transmucosa.

    ► Os opióides de longa ação são caros, com exceção da metadona que esta ganhando popularidade.

    ► Agentes tópicos podem ser úteis como adjuntos no tratamento da alodínia mecânica pelo contato com roupas. A lidocaína pode ser tentada quando as membranas mucosas são envolvidas e uma formulação em placas transdérmicas pode ser usada em outras áreas da pele. As medicações cutâneas não deveriam ser aplicadas em regiões com perda de continuidade da pele pela possibilidade de absorção sistêmica e efeitos tóxicos.

  • Quais tratamentos não medicamentosos deveriam ser considerados?
  • ► Fisioterapia é parte integral do tratamento. Os objetivos deveriam ser maximizar a função e evitar o desuso para não ocorrer atrofia e contraturas.
  • ► Neuromodulação é uma opção não destrutiva e reversível que se caracteriza pelo implante de eletrodos programáveis adjacentes à coluna dorsal da medula espinhal, nos nervos periféricos lesados ou nas raízes acometidas, e em alguns casos, dentro do cérebro.
  • ► Estimulação da coluna dorsal parece particularmente efetiva para os pacientes com aracnoidite e aqueles com dor lombar crônica submetidos a várias cirurgias.
  • ► As bombas de morfina intratecal são reservadas para os raros pacientes que responderam à morfina oral porém tiveram efeitos colaterais intoleráveis devido às altas doses. A administração intratecal pode diminuir a dose administrada em até 300 vezes, diminuindo a quantidade de efeitos colaterais. Embora caras, as bombas intratecais e os eletrodos estimuladores podem ser mais baratos que medicação oral crônica em pacientes com longa expectativa de vida.
  • ► O tratamento cirúrgico oferece possibilidades únicas para os pacientes com dor neuropática. Exploração, lise de adesões ou compressões, reparo ou transposição de nervo podem ser úteis para algumas injúrias dos nervos periféricos. Cirurgia descompressiva beneficia alguns pacientes com hérnia de disco e estenose espinhal.
  • ► Tratamento eletrotérmico transcutâneo intradiscal parece promissor para os pacientes com protrusões discais.
  • ► O papel dos procedimentos neurodestrutivos é limitado, pois eles têm efeito temporário e freqüentemente são seguidos por piora dos sintomas. Bloqueios neurolíticos e procedimentos destrutivos são recomendados apenas em pacientes com curta expectativa de vida.
  • ► Lesão percutânea por radiofreqüência é útil apenas em poucos tipos de dor neuropática crônica como neuralgia do trigêmio e juntas zigoapofisárias dolorosas desnervadas.
    • Quais são as implicações psicossociais da dor neuropática?
  • ► Pacientes com qualquer tipo de dor crônica são altamente susceptíveis à depressão reativa que pode ser severa o suficiente para causar suicídio ou internação hospitalar.
  • ► Os pacientes geralmente perdem seu trabalho, sua renda, seu status social e podem perder o apoio dos amigos e da família. Embora a depressão possa causar a sensação que a dor é pior, é importante alertar o paciente que a depressão é secundária à dor e não o inverso.
  • ► Encaminhamento dos pacientes para um psicólogo e uso de medicação antidepressiva tricíclica são as melhores opções para estes pacientes.
    • Qual o papel do neurologista no campo da dor?
  • No século XIX e no começo do século XX os neurologistas estavam interessados igualmente nos sistemas motores e sensoriais, porém na metade do século XX, eles passaram a se interessar mais pelos sistemas motores.
  • ► Houve grande avanço no entendimento e no tratamento das doenças neuromusculares. Pacientes com dor neuropática e outros sintomas sensoriais primários foram grandemente ignorados. Os residentes em neurologia não eram treinados para diagnosticar e tratar distúrbios dolorosos.
  • ► Os anestesistas aproveitaram a brecha para assumir o papel de terapeutas da dor. O manejo da dor tornou-se uma subespecialidade da anestesiologia.
  • ► Especialmente nos pacientes com dor neuropática, a experiência do neurologista no diagnóstico e manejo é insubstituível. Os neurologistas também são mais experientes no cuidado de pacientes ambulatoriais crônicos. Com isso, o manejo da dor também se tornou uma subespecialidade da neurologia.
  • ► Talvez no século XXI, os neurologistas assumam seu original papel no tratamento da dor crônica.

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